22 Marzo 2016 Carlo Lorusso

Lei de repatriação esbarra em insegurança jurídica

CARLO LORUSSO

Transformado em lei por sanção da presidente Dilma Rousseff, o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) abre uma janela de oportunidade para contribuintes que queiram, espontaneamente, regularizar a situação de capitais não declarados existentes no exterior.

Trata-se, no entanto, de uma janela sobre a qual se projeta, por enquanto, a sombra da insegurança jurídica. As principais dúvidas são decorrentes de vetos do Executivo a dispositivos que conferiam maior amplitude ao regime.

Um dos pontos controversos se refere à possibilidade de pessoas já condenadas por um dos crimes listados na lei, mas sem sentença transitada em julgado, aderirem ao RERCT. O texto aprovado pela Câmara e pelo Senado esclarecia que apenas pessoas já condenadas com sentença transitada em julgado estariam excluídas do programa. A presidente Dilma, porém, vetou o trecho que se referia a trânsito em julgado, levando ao entendimento de que mesmo os réus condenados por sentença de primeira instância estariam impedidos de aderir ao regime.

Por outro lado, a lei estabelece que a extinção da punibilidade dos crimes cobertos pelo programa “somente ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória”. Não está claro em que casos tal dispositivo seria aplicável, tendo em vista que condenados em primeira instância já estariam fora do âmbito de aplicação do regime.

Outro veto da presidente Dilma se refere à possibilidade de regularizar o patrimônio que seja objeto de uma sucessão em aberto. Existiam dúvidas quanto ao marco temporal e o modo de se realizar essa regularização. De acordo com a mensagem de veto do Poder Executivo, cabe ao espólio realizar essa regularização.

Também foi excluída do RERCT a possibilidade de se regularizar joias, metais preciosos, obras de artes, antiguidades e material genético de produção animal, dada a dificuldade de comprovação da titularidade e do valor de mercado de tais bens, o que poderia abrir uma brecha para a regularização de recursos decorrentes de origem ilícita. Se por um lado o veto limita a utilização indevida da lei, por outro desestimula a adesão ao regime por parte de contribuintes que queiram regularizar seu patrimônio mas que tenham parte de seus investimentos em ativos não cobertos pelo programa.

Esse poderia ser o caso de pessoas com ativos distribuídos em ouro, fundos, ações e imóveis. Mesmo que quisessem, contribuintes com esse perfil estariam impedidos de regularizar a totalidade de seu patrimônio. Caso optassem por uma regularização parcial (cobrindo apenas os fundos, ações e imóveis), continuariam sujeitos a sanções em relação aos ativos não regularizados. Parece claro que esse impedimento vai na contramão dos objetivos da lei popularmente chamada de Lei de Repatriação.

O dispositivo também gera incerteza quanto à possibilidade de se regularizar investimentos lastreados em metais preciosos, como certificados representativos de depósitos em ouro junto a instituições financeiras, que estão sujeitas à regulamentação de combate à lavagem de dinheiro e que fornecem extratos indicando o valor e a titularidade do investimento. Portanto, as informações necessárias à averiguação da origem dos recursos estariam plenamente disponíveis.

Outra dúvida pontual diz respeito à situação de trustees e fundações. Embora o Executivo tenha vetado alguns dispositivos que concediam a anistia a todos que tivessem contribuído para a manutenção dos recursos não declarados no exterior, a lei continua a estender a interpostas pessoas a extinção da punibilidade pelos crimes abrangidos pelo regime. Tudo indica, portanto, que essas instituições também estariam protegidas pela anistia. Mas ainda não é possível termos certeza absoluta desses detalhes jurídicos.

O fato é que, enquanto a Receita Federal não emitir o normativo regulamentando a adesão ao RERCT, tais dúvidas continuarão a pairar no horizonte. Não se sabe exatamente quando a regulamentação será publicada, sendo esse mais um ponto de interrogação sobre o projeto. O prazo inicialmente estabelecido no projeto era de 30 dias, mas a presidente vetou o dispositivo por entender que as autoridades fiscais poderiam precisar de mais tempo para regulamentar o regime. De acordo com a mensagem de veto, a estimativa das autoridades fiscais é que o normativo seja editado até 15 de março. Cabe lembrar que o prazo para adesão ao regime (que é de 210 dias) só começa a correr a partir da publicação do normativo pela Receita.

Um veto, embora não tenha gerado dúvida, poderá limitar o alcance da anistia proposta. Trata-se da decisão de não permitir o parcelamento do imposto e da multa de regularização incidentes sobre os bens imóveis. O veto é perfeitamente compreensível, tendo em vista a necessidade iminente de caixa por parte do governo. Não obstante, poderá constituir obstáculo para contribuintes cujo patrimônio no exterior tenha pouca liquidez, como é o caso de certos imóveis.

Enquanto aguarda a regulamentação da Receita, o contribuinte interessado em princípio em aderir ao regime especial deve preparar a documentação comprobatória da origem e titularidade dos recursos, para ter em mãos todos os dados necessários para preencher a declaração de regularização. Apesar da aparente simplicidade do procedimento, será necessário examinar preventivamente a documentação a fim de preparar-se para eventual questionamento das autoridades fiscais, que terão cinco anos para examinar e avaliar as informações prestadas pelo contribuinte, convalidando a anistia.

Apesar das lacunas e contradições da lei, o RERCT constitui uma possibilidade única para que os contribuintes regularizem a situação de ativos lícitos não declarados, sem que sejam responsabilizados criminalmente. Sem dúvida, é uma oportunidade a ser aproveitada.

 

16.11.2015

22 Marzo 2016 Carlo Lorusso

Lei de repatriação esbarra em insegurança jurídica

CARLO LORUSSO

Transformado em lei por sanção da presidente Dilma Rousseff, o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) abre uma janela de oportunidade para contribuintes que queiram, espontaneamente, regularizar a situação de capitais não declarados existentes no exterior.

Trata-se, no entanto, de uma janela sobre a qual se projeta, por enquanto, a sombra da insegurança jurídica. As principais dúvidas são decorrentes de vetos do Executivo a dispositivos que conferiam maior amplitude ao regime.

Um dos pontos controversos se refere à possibilidade de pessoas já condenadas por um dos crimes listados na lei, mas sem sentença transitada em julgado, aderirem ao RERCT. O texto aprovado pela Câmara e pelo Senado esclarecia que apenas pessoas já condenadas com sentença transitada em julgado estariam excluídas do programa. A presidente Dilma, porém, vetou o trecho que se referia a trânsito em julgado, levando ao entendimento de que mesmo os réus condenados por sentença de primeira instância estariam impedidos de aderir ao regime.

Por outro lado, a lei estabelece que a extinção da punibilidade dos crimes cobertos pelo programa “somente ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória”. Não está claro em que casos tal dispositivo seria aplicável, tendo em vista que condenados em primeira instância já estariam fora do âmbito de aplicação do regime.

Outro veto da presidente Dilma se refere à possibilidade de regularizar o patrimônio que seja objeto de uma sucessão em aberto. Existiam dúvidas quanto ao marco temporal e o modo de se realizar essa regularização. De acordo com a mensagem de veto do Poder Executivo, cabe ao espólio realizar essa regularização.

Também foi excluída do RERCT a possibilidade de se regularizar joias, metais preciosos, obras de artes, antiguidades e material genético de produção animal, dada a dificuldade de comprovação da titularidade e do valor de mercado de tais bens, o que poderia abrir uma brecha para a regularização de recursos decorrentes de origem ilícita. Se por um lado o veto limita a utilização indevida da lei, por outro desestimula a adesão ao regime por parte de contribuintes que queiram regularizar seu patrimônio mas que tenham parte de seus investimentos em ativos não cobertos pelo programa.

Esse poderia ser o caso de pessoas com ativos distribuídos em ouro, fundos, ações e imóveis. Mesmo que quisessem, contribuintes com esse perfil estariam impedidos de regularizar a totalidade de seu patrimônio. Caso optassem por uma regularização parcial (cobrindo apenas os fundos, ações e imóveis), continuariam sujeitos a sanções em relação aos ativos não regularizados. Parece claro que esse impedimento vai na contramão dos objetivos da lei popularmente chamada de Lei de Repatriação.

O dispositivo também gera incerteza quanto à possibilidade de se regularizar investimentos lastreados em metais preciosos, como certificados representativos de depósitos em ouro junto a instituições financeiras, que estão sujeitas à regulamentação de combate à lavagem de dinheiro e que fornecem extratos indicando o valor e a titularidade do investimento. Portanto, as informações necessárias à averiguação da origem dos recursos estariam plenamente disponíveis.

Outra dúvida pontual diz respeito à situação de trustees e fundações. Embora o Executivo tenha vetado alguns dispositivos que concediam a anistia a todos que tivessem contribuído para a manutenção dos recursos não declarados no exterior, a lei continua a estender a interpostas pessoas a extinção da punibilidade pelos crimes abrangidos pelo regime. Tudo indica, portanto, que essas instituições também estariam protegidas pela anistia. Mas ainda não é possível termos certeza absoluta desses detalhes jurídicos.

O fato é que, enquanto a Receita Federal não emitir o normativo regulamentando a adesão ao RERCT, tais dúvidas continuarão a pairar no horizonte. Não se sabe exatamente quando a regulamentação será publicada, sendo esse mais um ponto de interrogação sobre o projeto. O prazo inicialmente estabelecido no projeto era de 30 dias, mas a presidente vetou o dispositivo por entender que as autoridades fiscais poderiam precisar de mais tempo para regulamentar o regime. De acordo com a mensagem de veto, a estimativa das autoridades fiscais é que o normativo seja editado até 15 de março. Cabe lembrar que o prazo para adesão ao regime (que é de 210 dias) só começa a correr a partir da publicação do normativo pela Receita.

Um veto, embora não tenha gerado dúvida, poderá limitar o alcance da anistia proposta. Trata-se da decisão de não permitir o parcelamento do imposto e da multa de regularização incidentes sobre os bens imóveis. O veto é perfeitamente compreensível, tendo em vista a necessidade iminente de caixa por parte do governo. Não obstante, poderá constituir obstáculo para contribuintes cujo patrimônio no exterior tenha pouca liquidez, como é o caso de certos imóveis.

Enquanto aguarda a regulamentação da Receita, o contribuinte interessado em princípio em aderir ao regime especial deve preparar a documentação comprobatória da origem e titularidade dos recursos, para ter em mãos todos os dados necessários para preencher a declaração de regularização. Apesar da aparente simplicidade do procedimento, será necessário examinar preventivamente a documentação a fim de preparar-se para eventual questionamento das autoridades fiscais, que terão cinco anos para examinar e avaliar as informações prestadas pelo contribuinte, convalidando a anistia.

Apesar das lacunas e contradições da lei, o RERCT constitui uma possibilidade única para que os contribuintes regularizem a situação de ativos lícitos não declarados, sem que sejam responsabilizados criminalmente. Sem dúvida, é uma oportunidade a ser aproveitada.

 

16.11.2015

22 Marzo 2016 Carlo Lorusso

Lei de repatriação esbarra em insegurança jurídica

CARLO LORUSSO

Transformado em lei por sanção da presidente Dilma Rousseff, o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) abre uma janela de oportunidade para contribuintes que queiram, espontaneamente, regularizar a situação de capitais não declarados existentes no exterior.

Trata-se, no entanto, de uma janela sobre a qual se projeta, por enquanto, a sombra da insegurança jurídica. As principais dúvidas são decorrentes de vetos do Executivo a dispositivos que conferiam maior amplitude ao regime.

Um dos pontos controversos se refere à possibilidade de pessoas já condenadas por um dos crimes listados na lei, mas sem sentença transitada em julgado, aderirem ao RERCT. O texto aprovado pela Câmara e pelo Senado esclarecia que apenas pessoas já condenadas com sentença transitada em julgado estariam excluídas do programa. A presidente Dilma, porém, vetou o trecho que se referia a trânsito em julgado, levando ao entendimento de que mesmo os réus condenados por sentença de primeira instância estariam impedidos de aderir ao regime.

Por outro lado, a lei estabelece que a extinção da punibilidade dos crimes cobertos pelo programa “somente ocorrerá se o cumprimento das condições se der antes do trânsito em julgado da decisão criminal condenatória”. Não está claro em que casos tal dispositivo seria aplicável, tendo em vista que condenados em primeira instância já estariam fora do âmbito de aplicação do regime.

Outro veto da presidente Dilma se refere à possibilidade de regularizar o patrimônio que seja objeto de uma sucessão em aberto. Existiam dúvidas quanto ao marco temporal e o modo de se realizar essa regularização. De acordo com a mensagem de veto do Poder Executivo, cabe ao espólio realizar essa regularização.

Também foi excluída do RERCT a possibilidade de se regularizar joias, metais preciosos, obras de artes, antiguidades e material genético de produção animal, dada a dificuldade de comprovação da titularidade e do valor de mercado de tais bens, o que poderia abrir uma brecha para a regularização de recursos decorrentes de origem ilícita. Se por um lado o veto limita a utilização indevida da lei, por outro desestimula a adesão ao regime por parte de contribuintes que queiram regularizar seu patrimônio mas que tenham parte de seus investimentos em ativos não cobertos pelo programa.

Esse poderia ser o caso de pessoas com ativos distribuídos em ouro, fundos, ações e imóveis. Mesmo que quisessem, contribuintes com esse perfil estariam impedidos de regularizar a totalidade de seu patrimônio. Caso optassem por uma regularização parcial (cobrindo apenas os fundos, ações e imóveis), continuariam sujeitos a sanções em relação aos ativos não regularizados. Parece claro que esse impedimento vai na contramão dos objetivos da lei popularmente chamada de Lei de Repatriação.

O dispositivo também gera incerteza quanto à possibilidade de se regularizar investimentos lastreados em metais preciosos, como certificados representativos de depósitos em ouro junto a instituições financeiras, que estão sujeitas à regulamentação de combate à lavagem de dinheiro e que fornecem extratos indicando o valor e a titularidade do investimento. Portanto, as informações necessárias à averiguação da origem dos recursos estariam plenamente disponíveis.

Outra dúvida pontual diz respeito à situação de trustees e fundações. Embora o Executivo tenha vetado alguns dispositivos que concediam a anistia a todos que tivessem contribuído para a manutenção dos recursos não declarados no exterior, a lei continua a estender a interpostas pessoas a extinção da punibilidade pelos crimes abrangidos pelo regime. Tudo indica, portanto, que essas instituições também estariam protegidas pela anistia. Mas ainda não é possível termos certeza absoluta desses detalhes jurídicos.

O fato é que, enquanto a Receita Federal não emitir o normativo regulamentando a adesão ao RERCT, tais dúvidas continuarão a pairar no horizonte. Não se sabe exatamente quando a regulamentação será publicada, sendo esse mais um ponto de interrogação sobre o projeto. O prazo inicialmente estabelecido no projeto era de 30 dias, mas a presidente vetou o dispositivo por entender que as autoridades fiscais poderiam precisar de mais tempo para regulamentar o regime. De acordo com a mensagem de veto, a estimativa das autoridades fiscais é que o normativo seja editado até 15 de março. Cabe lembrar que o prazo para adesão ao regime (que é de 210 dias) só começa a correr a partir da publicação do normativo pela Receita.

Um veto, embora não tenha gerado dúvida, poderá limitar o alcance da anistia proposta. Trata-se da decisão de não permitir o parcelamento do imposto e da multa de regularização incidentes sobre os bens imóveis. O veto é perfeitamente compreensível, tendo em vista a necessidade iminente de caixa por parte do governo. Não obstante, poderá constituir obstáculo para contribuintes cujo patrimônio no exterior tenha pouca liquidez, como é o caso de certos imóveis.

Enquanto aguarda a regulamentação da Receita, o contribuinte interessado em princípio em aderir ao regime especial deve preparar a documentação comprobatória da origem e titularidade dos recursos, para ter em mãos todos os dados necessários para preencher a declaração de regularização. Apesar da aparente simplicidade do procedimento, será necessário examinar preventivamente a documentação a fim de preparar-se para eventual questionamento das autoridades fiscais, que terão cinco anos para examinar e avaliar as informações prestadas pelo contribuinte, convalidando a anistia.

Apesar das lacunas e contradições da lei, o RERCT constitui uma possibilidade única para que os contribuintes regularizem a situação de ativos lícitos não declarados, sem que sejam responsabilizados criminalmente. Sem dúvida, é uma oportunidade a ser aproveitada.

 

16.11.2015